Ao início da noite, depois de preparar o jantar, chamei as meninas para a mesa.
Assim que a B chegou à cozinha perguntou:
– O que é o jantar?
– Strogonoff.
– Boa!… Mas espera, fizeste com arroz?!?!
– Sim.
– Mas eu não queria arroz!!!!
– Mas habitualmente faço com arroz ou esparguete.
Intensificou o tom da reclamação:
– EU NÃO COMO!!!
– Como queiras, mas sentas-te connosco à mesa se faz favor. Gostamos de ter a família junta para comer.
– EU NÃO QUERO!!! – Dizia aos berros e a chorar.
Eu pensava para os meus botões: “Mas que raio… É só arroz! Não é primeira vez que come arroz e nunca foi um drama!”
A custo lá se sentou à mesa. Continuou a reclamar mas aos poucos começou a moderar o tom.
Para redirecionar a atenção, perguntei:
– Como foi a escola hoje?
– Mais ou menos…
– Então? Mas passou-se alguma coisa?
– Não sei se devo contar. Vais ficar triste comigo…
– Contigo não, talvez com alguma coisa que tenhas feito, mas só saberemos quando me contares.
– Sabes, eu hoje portei-me mal.
– Queres contar-me o que se passou?…
– Eu estava a brincar com a minha amiga às irmãs e ela começou a dizer: “A mana é chata! A mana é chata!”. Estava sempre a repetir e não me disse que estava a brincar. Eu irritei-me e fui até ela e tapei-lhe a boca com as mãos. Quando a larguei ela ficou muito chateada e disse-me que estava só a brincar e foi contar à professora o que eu fiz. Disse que eu a estava a sufocar. Mas não estava!
Dizia a soluçar entre o choro.
– Compreendes que a podes ter magoado porque estavas com raiva, certo?
– Sim…
– E o que disse a professora?
– Ficou muito chateada comigo e disse que se voltasse a acontecer ia chamar-vos à escola.
– Ficaste com medo que a professora nos chamasse à escola?
– Ela ia dizer mal de mim e eu não quero!
– Se a professora precisar de nos chamar à escola não há problema. Nós sabemos quem tu és e não estamos aqui para te castigar ou fazer sentires-te mal. Estamos aqui para te ajudar a encontrares soluções para os teus problemas e ensinar-te a lidares com o que sentes. Sabes isso, não sabes?
– Sei, mãe…
– Tinhas medo que o pai e a mãe fossem chamados à escola porque pensaste que nós ficávamos chateados ou o que te chateia é que a tua professora fique tão zangada que diga que nos vai chamar?
– Não gosto que pensem mal de mim. Fico triste quando a minha professora fica desapontada comigo e não quero que isso aconteça.
– Compreendo… Mas às vezes é assim que os adultos lidam com estas situações. Agora diz-me, depois de magoares a tua amiga o que fizeste?
– Eu pedi desculpa mas ela ficou chateada na mesma…
– É normal, quando ficamos chateados não passa logo. Temos de dar tempo para acalmar e depois resolver. Mas fizeste bem em pedir desculpa e tentar resolver. De qualquer forma, se calhar é importante perceber o que podes fazer de diferente da próxima vez que te sentires irritada.
– Mas eu não me consigo controlar!
– Eu sei que nem sempre consegues. Eu também não consigo sempre. Mas é uma questão de treino e perceberes quando estás a ficar nervosa com as situações.
– Quando ficas com raiva onde sentes a raiva, tens ideia?
– Hummmm… Não sei…
– Pelo que vejo em ti, começas a fechar as mãos e fazer força aí. É para onde vai a tua raiva. Daí apertares as tuas amigas, tapares a boca, empurrares. Usas as mãos com força. Ahh, e também mordes o lábio de baixo. Tens noção disto?
– Acho que é isso que acontece comigo…
– Podes, por exemplo, explicar às tuas amigas que quando te irritas fazes isto e combinar com elas uma palavra secreta para dizerem quando virem sinais em ti de que te estás a irritar. Assim avisam-te e podes tentar controlar-te. Achas boa ideia?
– Mais ou menos… Eu não consigo controlar a raiva.
– Eu sei. Eu também tenho dificuldade. Mas não há mal em sentir raiva. A raiva é uma emoção que aparece e se deres tempo desaparece também. Precisamos é de aprender o que fazer quando ela surge e é isso que acho importante ires aprendendo para não te magoares nem aleijares ninguém. Acho que podias falar com a tua professora sobre isso também. Talvez ela possa ajudar os meninos com algumas ideias.
– Acho que não, mãe. A professora não me ensina isso.
– Talvez tu possas então levar estas ideias e falar com a professora. Assim da próxima vez que uma situação destas acontecer pode ser que te consiga ajudar e ajudar outros meninos.
– Mãe, acho que tens de lá ir à escola para falares com a professora sobre esta situação.
– Acho que sim, meu amor.
– Mãe, achas que posso comer um gelado depois do jantar.
– Sabes qual é a regra: só há gelado quando se come o jantar todo, inclusive o arroz.
E lá comeu todo o arroz. Porque afinal, o problema não estava no arroz. O arroz foi o pretexto para o manifestar, sem o fazer diretamente, o que tinha entalado na garganta e tinha receio de falar. Mas ainda bem que falou e ainda bem que a podemos ajudar.