E quando a mãe se transforma num dragão?

Mãe dragão

 

Todos nós temos momentos em que o nosso ‘Eu’ ponderado, racional e paciente, fica aprisionado no alto de uma torre e, em substituição, aparece um dragão indomável, a vociferar labaredas de impropérios e a gesticular, qual besta incontrolável.

As mães, volta não volta, também ficam refém nessas torres.

As minhas filhas conhecem bem esse dragão. Elas têm o dom de saber como o acordar do seu sono de beleza. De tempos em tempos, invariavelmente quando estão acompanhadas pela Dona Birra, veem-no e assustam-se. Ninguém gosta de ver um dragão de carne e osso à sua frente, especialmente uma criança, e sobretudo se esse dragão tiver encarnado na própria mãe.

Há uns tempos expliquei-lhes como funcionava o nosso cérebro utilizando a palma da mão. Recorri ao exemplo do Dr. Daniel Siegel para o fazer. Elas sabem que no estado normal (mão totalmente fechada) a parte racional está harmoniosamente conectada ao chamado cérebro primitivo, onde está a amígdala, não a deixando fazer as suas travessuras. É que é a esta malandra que se deve a transformação indesejada da mãe.

Quando a amígdala se arma em esperta, apanhando o córtex pré-frontal distraído nas suas divagações intelectuais, corta-lhe o acesso às informações e durante um período, alimentada pela intensidade inebriante das emoções, é ela que manda e liberta o dragão que há na mãe. Garanto-vos que não é coisa bonita de se ver.

Felizmente, a mãe já sabe como isto funciona e arranjou uma forma de avisar as meninas sempre que pressente que o dragão quer aparecer.

Quando ainda lhe resta um mínimo de consciência, ela abre a mão, deixando unicamente o polegar encostado à palma, e diz-lhes: Eu estou a ficar assim. As meninas já conhecem o código. Sabem que aquela que naquele momento lhes fala já não é a mãe, mas um híbrido mãe-besta em plena progressão (e não para a sua melhor versão). Nessa altura, se não querem enfrentar a temível fera, só há uma solução: acalmarem-se e ajudarem a mãe a acalmar-se para que o dragão volte a dormir e a mãe assuma o seu estado normal.

Curiosamente, numa manhã destas em que uma das meninas estava tomada pela irritante Dona Birra, a mãe (à qual escasseavam no momento recursos) teve a ousadia de arranjar uma nova estratégia. Precisamente, no momento em que o dragão abriu os olhos, a mãe, qual valente cavaleiro, abraçou a filha e gritou a plenos pulmões. Por uns instantes mãe e filha gritavam. Depois apenas a mãe gritava. E, finalmente, o silêncio. A menina não conhecia esta faceta da mãe.

– Mãe, assustaste-me…

– A sério, filha? Mas teve de ser…

– ‘Teve de ser’?! Porquê?

– A Dona Birra não estava sossegada e acordou o dragão. Tu sabes como é o dragão quando o acordam, não sabes?

– Sei…

– Pois. Então a mãe, abraçou-te e gritou bem alto para te proteger. E sabes o que aconteceu?

– O quê?

– O dragão desistiu. Foi-se embora e voltou a dormir.

– Ainda bem…

– E a Dona Birra, como está?

– Acho que também se foi embora.

E foi assim que mãe e filha ficaram mais tranquilas, sem donas birras a provocar o dragão e sem dragões assustadores a estragar a manhã, quiçá todo o dia de ambas.

Mas não se deixem enganar. O dragão é manhoso e está sempre à espreita, à espera de uma oportunidade para aparecer e fazer das suas.

Deixo por isso um conselho a todas as mães e pais. Visto que estamos a lidar com animais perigosos, nunca é demais procurar conhecer melhor estas feras adormecidas que habitam nos nossos vales interiores mais sombrios. É meio caminho andado para as mantermos debaixo de olho e, ao mínimo sinal, podemos usar os nossos recursos, as armas que treinámos e tivermos ao alcance, para protegermos os nossos filhos e a nós mesmos.

O desafio é portanto este:

Conheçam o vosso inimigo. Escolham as vossas armas!