‘Muitas vezes, quando passam para o lado de lá (ensino obrigatório), parece que lhes roubam a alma’.
Foram estas as palavras que me ficaram na cabeça e me pesaram no coração na última reunião que tive com a educadora de pré-escolar da B.
Daqui a poucos dias ela ingressa na escola primária. Desde que entrou com os 3 anos para o Pré-Escolar temos tido a sorte de encontrar educadoras sensíveis à área socio-emocional e ao desenvolvimento das soft skills, que hoje sabemos, são tão determinantes para a capacidade de gerirmos a vida e os inúmeros desafios com que nos brinda, de uma forma saudável e equilibrada.
A estas educadoras devo três anos de estímulo, de descoberta dos outros, do mundo e da tão importante autodescoberta, de empatia, de sabedoria na resolução de conflitos, de abordagens sensíveis e criativas aos valores humanos que norteiam o ser e estar destas crianças de tão tenra idade, de graça e encanto na partilha de conhecimentos e emoções.
Com as educadoras e auxiliares com que se cruzou a alma da minha filha cresceu e fortificou-se, por isso muito lhes agradeço pelo inestimável acompanhamento de dias e dias em que não estando eu, estiveram elas… tão sabiamente elas.
Mas a alma da minha filha está ainda a florescer, a ser moldada. É ainda muito influenciável ao ambiente que a rodeia e às pessoas que com ela interagem, especialmente se forem pessoas que considere uma referência. Naturalmente que procuramos sempre acompanhá-la e orientá-la e estamos muito convictos do poder que, enquanto pais, temos em inspirá-la e influenciá-la para que cresça feliz e se mantenha espontânea, alegre e genuína como é. Mas não escondo o receio de que nesta nova fase, na passagem para o ensino obrigatório – na pressão para que escolas, professores e alunos correspondam a métricas e avaliações ao mesmo ritmo e nível – a singularidade da minha menina se perca, formatando-a às exigências das provas, dos objetivos académicos e dos rankings em detrimento do tanto mais que ela traz guardado em si e tão genuinamente gosta de explorar e partilhar.
Temo que ela, ainda tão permeável e tão sensível, se intimide, se enfade, se diminua e definhe. Receio que perca o brilho do olhar de quem aprende com curiosidade e entusiasmo, o ímpeto de fazer acontecer de quem acredita que pode ser o que quiser, a motivação de quem é encorajada porque a fazem acreditar que é capaz e pode fazer sempre melhor, a garra de quem sabe que os erros são ótimas oportunidades para aprender, e não antecâmaras da culpa, do medo e da vergonha.
Temo que nesta nova fase em cada cadeira, de carteiras em filas perfeitas, não se veja um rosto, uma personalidade, talentos diferentes e aptidões tão próprias a serem explorados pelo que de melhor têm a dar, ao invés de se perceber a melhor forma de os ensinar, os cativar e os interessar, mantendo acesa a chama que os alimenta.
José Pacheco diz que ‘as provas, não provam nada’. Na verdade elas provam, por vezes tarde e mal, que os 5, 20, bons ou muito bons não garantem futuros risonhos e sonhos concretizados. Não garantem carreiras de sucesso e relações apaixonadas. Não garantem a competência para lidar com as vulnerabilidades e as incertezas quando as expectativas se desmoronam e os planos dão para o torto.
E então o que peço é tão simples: não roubem a alma à minha menina nem a nenhuma outra!
Educadores e professores, estimulem as crianças, os seus sonhos e talentos. Sejam qual jardineiros que cultivam almas com afetos, encorajamento, respeito e integridade, e regalem-se então a ver o fruto desta educação florescer aos vossos olhos e embelezar este imenso jardim que é a nossa vida.