Fomos ao supermercado fazer algumas compras e durante o tempo que por lá andámos era inevitável ouvirmos de vez em quando, com tremenda excitação:
– Pai, olha isto! Posso levar?
– Mãe, podemos comprar este boneco? Gosto tanto!!!
– Podemos levar estas bolachas? A X costuma levar para a escola e são óptimas.
– Mãe, vou buscar aquele balão, ok?
– Pai, compras estes chupas?
O efeito dos muitos estímulos a que estão sujeitos
Sistematicamente fomos dizendo que não íamos comprar nada mais para além do que seria estritamente necessário levarmos nesse dia. Que poderiam apontar o que queriam e numa outra oportunidade poderíamos ver se era possível ou não comprar.
De vez em quando, lá vinham os amuos, a descontentamento pela contrariedade, o ficar para trás “só para ver melhor”, etc…
Acontece que na manhã do dia seguinte, quando fui ao quarto delas, reparei num pequeno objecto que desconhecia lá de casa.
Perguntei de onde tinha vindo. Primeiro contou-me uma história que tinha sido uma amiga que tinha dado. Disse-lhe que íamos então ligar à mãe da amiga a agradecer o presente. Ficou tensa e pediu:
– Não ligues, mãe. Na verdade, não foi a minha amiga que me deu. Sabes, ontem quando fomos às compras, vi-o na loja e como me disseste que não podíamos comprar nada… Desculpa, mas queria tanto que não resiste.
– E porque me mentiste agora?
– Não te queria desiludir. Desculpa…
– Sabes, quando me mentes, ou me estás a esconder algo, sinto que não confias em mim e isso deixa-me triste. Asneiras todos fazemos. Eu, com pouco mais que a tua idade, também me lembro de ter levado um chocolate de um supermercado sem ninguém ver, porque sabia que não me o iriam comprar se pedisse e também não resisti. Sabes como me senti?
– Não…
– Bom, depois de o esconder até regressarmos a casa, eu comi o chocolate e nunca disse nada a ninguém, mas senti-me muito mal e culpada pelo que tinha feito. E lembro-me de ter ficado muito aflita na altura, com medo que alguém tivesse visto ou que os meus pais descobrissem porque tinha medo do que podia acontecer.
Eu sei que às vezes é difícil resistir a coisas que queremos muito e não podemos ter naquele momento, mas nessa altura, quando estamos com muita vontade, deves perguntar a ti própria:
“Isto que eu quero fazer é algo que possa contar a alguém, ou vou ter de esconder?”
Se a resposta for: “Não posso contar” é porque é algo que não se deve fazer. Compreendes?
– Sim, mãe…
– O que podemos fazer agora?
– Tenho de devolver à loja?…
– Acho que seria uma boa ideia. Esta semana, quando lá voltarmos, explicas a situação e entregas. Pode ser?
– Sim. E podes ir comigo?
– Claro. Tu falas com as senhoras e eu estarei lá se precisares de alguma ajuda.
Inicialmente fiquei muito tentada em dar-lhe um sermão. Um ralhete valente pelo que fez, até porque teria sido pelo menos isto que teriam feito comigo. Mas respirei fundo e pensei:
O que é realmente importante neste momento?
Fazê-la sentir-se a pior pessoa do mundo por ter levado uma coisa que não lhe pertencia? Mostrar-lhe que, por esconder e por me ter mentido, não era digna da minha confiança?
Será que é isto que quero que ela sinta em relação a ela própria e à relação que constrói com os pais?
Ou pretendo que ela sinta que, ainda que erre, pode confiar em nós para a ajudarmos, que será incondicionalmente amada, e que pode sempre melhorar o seu comportamento e reparar os seus erros, com responsabilidade, sem haver necessidade de reforçarmos o sentimento de culpa ou vergonha já existente?
É difícil fazer este contraponto quando queremos que aquele comportamento não aconteça ou se venha a repetir, porque qualquer pai evitaria a todo o custo que os nossos filhos fizessem destas coisas, e muitas vezes sentimos que punindo se resolve automaticamente o problema. Mas será que sim?
O certo é que a dada altura todas as crianças fazem asneiras, deste tipo ou outras, menores ou piores, e isso faz parte do seu processo de crescimento e de aquisição de novas competências e valores, dependendo da forma como forem orientadas e corrigidas.
Entendemos que a nossa intenção é cultivar nelas as sementes certas para que desenvolvam auto-consciência, pensamento crítico e responsabilidade, sem prejudicar a construção da uma auto-estima saudável, tendo a capacidade de avaliar vida fora o que é correto e não, para que, por elas mesmas, façam a auto-regulação dos seus actos, estejamos ou não presentes (porque hão-de existir sempre alturas em que não estaremos), e não apenas por medo da punição ou vergonha na perspectiva de serem apanhadas.