Olho por olho e acabamos todos cegos.

olho por olho

 

Porque é que quando confrontados com uma maldade, uma ingratidão ou injustiça tendemos a dar o pior ao invés do melhor de nós?
Estava um dia destes sentada no autocarro, que estava prestes a sair da gare, já de porta fechada, pronto a arrancar, quando um senhor aparece a bater à porta. O motorista abre-a. O senhor entra, mas reclama que está em cima das 19h00 (hora de saída) e que não devia estar já a sair quando há pessoas a chegar que depois terão de aguardar pelo próximo autocarro. O motorista, visivelmente chateado, porque pelo menos esperava um ‘Obrigado’, responde que ainda parou para que ele pudesse entrar, mas se estava a reclamar da próxima não parava. Aliás, não iria parar para mais ninguém. Gera-se um pequeno bate-boca concluído pela tão típica sentença “por uns pagam os outros“.
Situações destas repetem-se em vários contextos. Quando sentimos a ingratidão fechamo-nos no nosso ego ofendido, em vez de mostrarmos que independentemente do que o mundo nos faz a nossa boa essência tem a capacidade de se manter e continuamos a agir em conformidade, não com a situação, mas em sintonia com o melhor que podemos ser. Conseguimos responder com compaixão e gentileza. Até porque, convenhamos, as respostas dos outros, independentemente se nos são dirigidas, são responsabilidade do outro, não nossa. A psicologia Adleriana fala a este nível da necessária separação de tarefas, que me parece imprescindível para cuidarmos da nossa paz de espírito.
Acredito que esta forma de estar é o que torna também a nossa vida mais leve e o nosso coração tranquilo. Na verdade, ao agirmos assim, não estamos a ser fracos ou parvos (como muitos pensarão). Estaremos a ser compassivos e justos connosco próprios, a defendermo-nos das agressões que nos puxam para baixo, para o lodo em que muitas vezes se transformam as nossas relações intra e interpessoais. Responder a provocação com provocação, agressividade com agressividade, e por aí adiante, não traz nada de bom. Alguém nos ofende e nós respondemos e a guerra instala-se. Ping-pong de respostas alternadas na esperança cega de se ficar com a última palavra e com a razão. Há alguém que saia bem desta disputa de egos? Entre mortos e feridos ninguém se salva porque se perderam logo no instante em que optaram por ripostar ou invés de fazer jus ao melhor de si.
Não quero com isto dizer que se alguém nos ofende ou é injusto connosco não devamos dar conta disso e, eventualmente, precavermo-nos para próximas situações, mas não precisamos de nos deixar arrastar para o tipo de pessoa que não gostaríamos de ser, às vezes tornando-nos no reflexo do que o outro é, de tão cego que é o desejo de nos sobrepormos. A todo o instante podemos e devemos fazer a escolha de sermos o melhor que podemos ser, mesmo com quem achamos que não o merece. É que se ao menos não for pelos outros, que o seja por nós.
Agora até me podem perguntar: Consegues agir sempre com esta elevação? Não. Confesso que é um enorme desafio. O meu instinto, tal como de qualquer pessoa, é o de responder na mesma moeda, e às vezes acabo por fazê-lo. Mas, em consciência, procuro fazer o esforço para me policiar e fazer diferente mesmo quando o impulso é outro.
Há uma célebre frase de Gandhi que diz:
Olho por olho e acabamos todos cegos.
E é assim que penso. Até porque o mundo nos traz demasiadas mostras de como esta realidade funciona. E não é bonito, nem justo. É muito sujo na verdade.
Foi em tudo isto que fiquei a pensar quando o autocarro partiu e o motorista lá continuava a ruminar o sucedido e a ‘ingratidão’ que tanto o ofendeu. Fiquei com pena por ver o como é fácil deixarmo-nos afundar nesta lama de ressentimentos e injustiças, sem conseguirmos resgatar a leveza que traz paz ao coração.