Elogiar a criança? Sim, mas com cautela

Quando se pensa em educar pela positiva, acredita-se que os elogios serão dos melhores recursos para motivar a criança a desenvolver o seu melhor no que diz respeito a atitudes e aquisição de competências e potenciar uma saudável autoestima. De facto, qualquer pessoa gosta de ser elogiada e as crianças não são diferentes, por isso, a curto prazo, os resultados do uso dos elogios como reforço positivo pode ser muito apetecível, mas a longo prazo, é preciso ter algum cuidado.

Um elogio ocasional é bom e até dá um boost de satisfação à criança, que se revê e constrói na percepção que o adulto lhe passa, sentindo-se valorizada e apoiada. O problema é quando estes elogios tendem a ser vagos e sistemáticos e não motivam uma autorreflexão da criança, deixando-a ‘viciada’ na opinião dos outros para se sentir bem com o que é e o que faz. Se elogia com frequência uma criança e repara que ela está constantemente a dizer:

Hoje estou bonita?

Não disseste nada sobre o meu trabalho.

O que achas? Gostas? Se calhar não gostas…

Talvez valha a pena refletir sobre os efeitos secundários que os elogios estão a ter nela e, até que ponto, não são eles contraproducentes para a construção de uma autoestima saudável.

Vejamos… Ao elogiarmos expressamos um julgamento favorável, uma aprovação, que assenta na necessidade de apoiar a criança e responder às nossas expectativas face a um determinado resultado obtido. Por seu lado, a criança tem como primordial objetivo sentir-se aceite, amada e importante nas relações em que está envolvida. Quando recebe um elogio a criança percebe que deixa alguém agradado e ‘feliz’, e percebe que garantir a aprovação é a chave para se sentir aceite, amada e importante. Se não houver cuidado com o recurso aos elogios, poderá instalar-se um ciclo vicioso, no qual a criança fica aprisionada na dependência de aprovação externa, inibindo a construção da sua autoconfiança e autonomia.

Ao dizermos recorrentemente a uma criança:

És muito bonita.

Que lindo desenho.

Estou muito orgulhosa da tua nota. És tão inteligente.

Estamos na verdade a fazer uma avaliação demasiado vaga, suportada em expectativas pessoais e focada no resultado, cunhando uma percepção que se funde com o que a criança é, em vez de se focar no que a criança faz, ou seja, no processo e esforço que levou ao resultado, e na sua capacidade para atingir objetivos.

Em vez de ensinarmos as crianças a pensarem:

Eu gosto do que fiz? O que é que eu sinto e penso em relação a isto? Será que há algo que possa melhorar? Isto faz-me sentido?

A bitola da criança passa a ser:

O que é que os outros vão pensar? Será que estou a agradar?

A nossa missão como pais e educadores passa por estimular a criança a desenvolver uma autoestima que se baseie na capacidade de conseguir identificar os seus pontos fortes e limitações, desenvolvendo pensamento crítico, autonomia, criatividade e motivação para continuar a melhorar, encarando o esforço e os erros como parte do processo de aprendizagem e desenvolvimento.

É certo que não é logo nos primeiros anos que estas competências ficam cimentadas na criança, mas tudo isto deve ser potenciado ao longo do seu crescimento para que gradualmente ela se sinta cada vez mais confiante e valorizada, mesmo quando não tem a aprovação alheia.

Quando um pai ou educador evidencia a performance em vez de classificar a criança, dizendo algo como…

Bom trabalho! Vi o quanto te esforçaste para conseguir fazer esse projeto. A tua nota é reflexo do teu empenho. Deves sentir-te muito orgulhoso.

…está a reconhecer o feito com enfoque no processo para o atingir, promovendo também a autorresponsabilidade, o sentido de resiliência para lidar com as dificuldades e adversidades, bem como a capacidade de autoavaliação da criança.

Este reconhecimento é o que a nutre internamente para se sentir capaz de desenvolver as suas potencialidades, talentos únicos e construir uma autoestima saudável e um autoconceito positivo.

 

Artigo publicado na edição de Dezembro de 2019 da revista Miúdos & Graúdos