De manhã bebia um café num quiosque junto à entrada do metro, antes de seguir para um novo dia de trabalho. Enquanto isso a rapariga da caixa ajeitava uma série de notas de 10 euros. Demorou-se numa. Queixou-se que o cliente lhe tinha entregue a nota amarrotada e que era uma chatice porque não ficava direita como as outras. Disse-lhe tão simplesmente:
– Vale tanto como qualquer uma das outras que tem na mão.
Valeu-me o reparo um breve sorriso do outro lado, o qual retribui.
Este episódio recordou-me de imediato uma história que li, em tempos, algures online, acerca de um professor espanhol que procurou ensinar aos seus alunos o valor inestimável que tem qualquer vida humana, no caso, por ocasião do Dia Mundial de Combate ao Bullying.
No seu Instagram relatou assim o momento:
Hoje disse aos meus alunos: “Quem quer esta nota?” E todos a queriam.
Depois, amarrotei-a, atirei-a ao chão, pisei-a e disse-lhe que era inútil, que não valia nada e que me dava pena vê-la. Voltei-lhes a perguntar se a queriam e todos diziam que sim.
Então expliquei-lhes que esta nota era cada um deles. E que quando se insultam, menosprezam, e se tratam mal, jamais perdem o valor que de verdade têm, tal como a nota de 50 euros, mesmo que a pise e a amarrote.
A ideia não é minha, mas surpreendi-os com uma reflexão tão simples como vital no seu crescimento. Que nunca permitam que nada os faça sentir menos que nada.
O bullying é de facto uma realidade para a qual importa estar alerta e intervir, idealmente de forma preventiva, educando crianças desde a mais tenra idade para a bondade e a empatia e estimulando ao longo do seu crescimento essas atitudes. Mas não é só de bullying que esta história fala, embora seja perfeitamente aplicável. Esta lição também fala de autoestima, de compaixão e de autocompaixão.
Será consensual para todos que, independentemente dos bolsos por onde andaram, do quanto foram amassadas ou dobradas, de todas as vezes que foram parar ao chão e regressaram às carteiras, do seu aspeto, das suas manchas ou rugas, tanto a nota do quiosque como a nota do professor espanhol não perderam em nenhum momento o seu valor. Nesse caso, porque é que então nós, quando confrontados com nossos semelhantes, que tal como estas notas passaram momentos difíceis que lhes deixaram marcas, passamos a julgar inferior o seu valor?
Às notas não perguntamos por onde andaram para chegarem àquele estado nem que circunstâncias lhes provocaram aquelas mazelas. Aceitamo-las simplesmente porque não questionamos o seu valor. Já a quem até nós chega, acanhado, sujo ou mal tratado pela vida, não raras vezes ‘adivinhamos’ a sua história, julgamo-los pela sua aparência e não pelo seu valor intrínseco, esse sempre igual, imensurável.
E não é apenas o valor dos outros que tendemos a inferiorizar. Essa crueldade cometemos muitas vezes connosco próprios. Em momentos vários, como quando não conseguimos atingir um determinado objetivo e somos chamados à atenção, quando nos esforçamos mas ainda assim não somos selecionados para aquele lugar que tanto queríamos, quando somos achincalhados ou humilhados sem perceber porquê,… (só para dar alguns exemplos). Facilmente nos recriminamos, nos julgamos e colocamos em causa o nosso valor. Vitimizamo-nos, entramos em autocomiseração e perdemos o rumo. Parece que deixamos de saber quem somos, o que valemos. Não aceitamos que o nosso melhor é também construído pelas derrotas e adversidades por que passamos, alimentado pelas quedas e recuos e irrigado pelas lágrimas que devemos digna e humildemente deixar correr.
Não importa a forma como nos apresentamos em frente ao espelho ou diante de outros. Devemos ter sempre presente que o nosso valor é único e inestimável.